PianoClass Facebook Logo
.top-nav-bar
Contato e mais informações

Tags:

Entrevista com o artista plástico Hugo Fortes

Conteúdo publicado em dezembro.1999

Abaixo você encontra um breve currículo e algumas imagens de trabalhos de Hugo Fortes, e em seguida a entrevista realizada com o artista nos meses de novembro e dezembro de 1999.
O site da Piano Class, em nome de todos os membros de sua comunidade, agradece ao artista Hugo Fortes pela sua disposição e tempo empregados para nos oferecer esta entrevista.
Se você ainda não faz parte da “Comunidade Piano Class”, inscreva-se! Ficaremos honrados com a sua presença.

Artista plástico, designer gráfico, publicitário e professor.

hugofortesFormado em Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Hugo Fortes atualmente cursa o mestrado desta mesma instituição. Hugo Fortes iniciou seus estudos em artes ainda criança, em cursos de fotografia e pintura em Araraquara, sua cidade natal. Foi com a vinda para São Paulo, no entanto, que pôde ter uma visão mais ampla das áreas de comunicações e artes. O gosto pela criação visual o levou a direcionar sua carreira como publicitário para a área de design gráfico. Hugo Fortes passou por diversos studios de design gráfico, entre eles a SAO – Divisão de Design Gráfico da DPZ Propaganda. Em 1992, em sociedade com Síssi Fonseca, montou seu próprio escritório de design gráfico e eventos: a Acquamundi Marketing Comunicação & Design. Desde então vem desenvolvendo um trabalho bastante diferenciado na área de design gráfico, utilizando formatos e materiais não convencionais como papéis reciclados e artesanais, plásticos e inclusive intervenções artesanais.

Paralelamente a esta atividade, Hugo Fortes tem trilhado sua carreira como artista plástico. Sua formação em artes plásticas inclui cursos e workshops com os artistas Carlos Fajardo, Nuno Ramos, Iran do Espírito Santo, Ana Tavares, Regina Silveira, Amélia Toledo, entre outros. Como complemento desta formação, Hugo Fortes freqüentou o curso de formação de monitores da XXIV Bienal de São Paulo, onde trabalhou como monitor e foi um dos integrantes do projeto “Conversas com Arte – Tridimensionalidade”, voltado para a discussão de temas relativos à escultura e à instalação. Desde 1994 tem participado de diversas exposições individuais e coletivas, entre elas “Trajetos”, na Galeria da Consolação, “Visualidade Nascente” no Centro Cultural Maria Antônia e “Buracos” na Capela do Morumbi, todas estas em São Paulo. Em 1998 foi premiado com a instalação “Poço“, exibida na exposição “Visualidade Nascente”, promovida pelo Projeto Nascente da USP e Abril Cultural. Seu trabalho como artista plástico tem sido voltado principalmente para a criação de esculturas e instalações, em que a utilização de materiais transparentes, referências ao elemento água e formas orgânicas tem sido uma constante. Em seu último trabalho, a instalação “Buracos” (foto) realizada conjuntamente com a artista Christianne Alvarenga, foram utilizados grandes montes de terra onde se apoiavam planos de vidro, estabelecendo uma relação com as paredes de taipa de pilão da Capela do Morumbi, onde foi montada. Os buracos já existentes nas paredes de taipa, foram relacionados com as cavidades do corpo que foram fotografadas e introduzidas dentro de buracos com luz no interior dos montes de terra. Neste trabalho, Hugo Fortes e Christianne Alvarenga, discutiram conceitos como matéria e transcendência, construção e descontrução. A instalação foi criada especificamente para o local, procurando incluir o espectador dentro de uma atitude de fruição sensorial e espacial, uma vez que ele podia se movimentar por todo o espaço e até pisar sobre uma parte da terra distribuída no local.

Embora a maior parte de sua produção envolva a questão da utilização do espaço através de esculturas e instalações, Hugo Fortes também desenvolve obras em vídeo, fotografia e desenhos. Em diversas exposições suas, tem sido acompanhado das performances da bailarina e performer Síssi Fonseca. Já desenvolveu também projetos como cenógrafo, destacando a criação do cenário da peça “Na Festa de São Lourenço”, dirigida por Fernando Poppoff.

Hugo Fortes foi também professor nas áreas de arte e propaganda em diversas instituições, entre elas, a Escola de Comunicações e Artes da USP, o Colégio Radial e outras escolas técnicas e casas de cultura de São Paulo.

É também pesquisador, estando atualmente desenvolvendo a pesquisa de mestrado “Peças Publicitárias Não Convencionais: Conquistas Estéticas da Contemporaneidade”. Neste projeto, Hugo Fortes traça um estudo comparativo entre as peças publicitárias não convencionais e o objeto artístico contemporâneo, destacando suas qualidades lúdicas, interativas e sensoriais.

Para o desenvolvimento deste projeto, Hugo Fortes conta com o apoio de bolsa da FAPESP ( Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Para maiores informações o artista Hugo Fortes pode ser contactado através do site https://www.hugofortes.com/.

Principais exposições como artista plástico.

buracoinstal

1999 – Buracos – Capela do Morumbi
Exposição conjunta com Christianne Alvarenga


1998 – Visualidade Nascente – promovido pela USP e Abril Cultural
Vencedor do Projeto Nascente, na Categoria Artes Plásticas (participação nas Categorias Artes Plásticas e Vídeo)
Centro Universitário Maria Antonia

1998 – Salão de Arte Contemporânea de São Bernardo
Espaço Henfil – São Bernardo do Campo

1998 – Arte Tamboré e Tamborim – Coletiva sobre o carnaval
Shopping tamboré – São Paulo

1997 – Trajetos – Instalação Interativa
Galeria da Consolação-Secretaria Municipal de Cultura – São Paulo

poco

1997 – Poço – Instalação Interativa
Exposição comemorativa dos 100 anos do prédio do antigo mercado
Atual Casa de Cultura de Santo Amaro – Secretaria Municipal de Cultura – São Paulo


1994 – Fios D’Água – Esculturas e Instalações
Casa de Cultura da Freguesia do Ó – Secretaria Municipal de Cultura – São Paulo

1996 – 1001 olhares – sesc pompéia – exposição coletiva participante do projeto
1001 olhares – vivências plásticas – participação com tecelagem.

1995 – Projeto Master Dança – Exposição de fotografias do projeto master dança, projeto interdisciplinar de formação de bailarinos oferecido pela secretaria estadual de cultura –
Teatro Sérgio Cardoso e Studio Nova Dança.

1995 – Mosaico – Fotoinstalação
Casa de Cultura da Freguesia do Ó – Secretaria Municipal de Cultura – São Paulo

1994 – Olhares – Esculturas e Instalações
Casa de Cultura da Freguesia do Ó – Secretaria Municipal de Cultura – São Paulo

ENTREVISTA

Marina Villara

Como você vê a questão, às vezes polêmica, da fotografia como arte? Hoje, com toda a tecnologia existente, através da qual é possível se transformar uma foto ruim numa boa foto e, até, num trabalho artístico, fica difícil discernir onde entrou realmente a arte do fotógrafo e onde entrou a tecnologia. O uso das ferramentas ditas modernas, como o computador, invalida o caráter artístico de uma obra, em especial de uma obra fotográfica?

Hugo Fortes

 

entrhugofortes1

Foto utilizada na instalação “Buracos” de Hugo Fortes e Christianne Alvarenga

Olá Marina. A questão da fotografia na arte é bastante antiga. Na época do aparecimento da fotografia muitas pessoas temiam que a pintura desaparecesse já que a máquina fotográfica poderia reproduzir o mundo de maneira mais eficiente e rápida do que os pintores. O que aconteceu no entanto é que a pintura foi encontrando outros caminhos e isto de certa maneira contribuiu para o alargamento das possibilidades das artes plásticas. A fotografia, por sua vez, foi encontrando sua própria linguagem e se estabelecendo como arte autônoma. Durante o modernismo, no entanto a fotografia ainda se baseava em princípios de construção da pintura, e se dava grande importância às questões técnicas. Existia ainda uma idéia de que a fotografia deveria captar a realidade de maneira pura e sem grandes intervenções que distorcessem ou alterassem a imagem original. Após os anos 60, já com o pós-modernismo as artes plásticas já não se preocupam tanto com a pura construção de uma imagem plástica, mas valorizam o processo de criação e o conceito envolvido na obra. Da mesma forma, aos poucos, a fotografia vai perdendo a necessidade de captar apenas o real e vai sendo utilizada por fotógrafos e artistas plásticos em propostas que não pretendem utilizar a fotografia apenas para a composição de uma imagem plástica, mas utilizando os significados inerentes ao meio fotográfico. Assim os fotógrafos/artistas resgatam os significados da fotografia enquanto documento ou recordação, se preocupando menos com a qualidade técnica. Com o aparecimento da utilização do computador ampliam-se as possibilidades de distorção da imagem. Tudo torna-se virtualidade, já não existe uma imagem real. Não acredito que o computador invalide o valor artístico de uma foto, mas ao contrário apenas torna-se mais uma possibilidade na criação de imagens.
Atualmente, todas as linguagens se interrelacionam, e seus limites não são tão claros e já se sabe que ao invés de captar a realidade, a arte, incluindo-se aí a fotografia, pretende expressar, mais do que retratar.

 

rivitti@netpoint.com.br

Hugo, uma preocupação entre os artistas é trabalhar dentro de uma linha coerente de trabalho que apresente possibilidades de novas investigações e produções ,de que maneira , você se coloca diante deste problema ?

Hugo Fortes

Acredito que a coerência é uma decorrência natural do trabalho e não uma regra pré-estabelecida dentro da qual o artista deve se enquadrar. A partir da sua vivência e suas referências pessoais o artista vai construindo seu estilo e revendo-o ao longo de sua vida. O trabalho artístico impõe-se como uma possibilidade de investigação de cada artista e torna-se aos poucos indissociável de sua maneira de pensar.

 

Nancy Betts

 

Como você entende o conceito de transparência na arte contemporânea?

Hugo Fortes

 

entrhugofortes2

Escultura em acrílico, vidro e nylon, de Hugo Fortes

Nancy, penso que o conceito de transparência na arte contemporânea pode ser visto de várias maneiras.
Uma primeira possibilidade é relacioná-lo com a idéia de forma informe. Numa época em que a representação tornou-se virtualidade e que ao invés de buscar uma forma acabada e definitiva os artistas vêem a obra de arte apenas como um aspecto do processo de criação artística, a transparência apresenta-se como um espaço onde as imagens não se cristalizam, não se eternizam, mas estão em constante mudança. Olhar uma transparência significa “ver através”. A obra transparente não oferece-se aos olhos com a opacidade de uma verdade constituída definitiva, mas como apenas como uma virtualidade que traga todo o entorno para dentro de si. Não é possível olhar uma transparência sem ver o que está além.
Penso que a transparência pode ser vista como uma metáfora para o trabalho do artista contemporâneo. Este artista permite ao espectador que “através” de uma obra artística, ele veja seu interior e também o espectador coloca-se como um corpo que deixa-se atravessar pela obra artística, revelando-se enquanto indivíduo no momento de fruição e apreensão da obra.

 

Rosana Fernandes

Como se analisa a qualidade de uma obra de arte? Quais critérios são usados para estipular o valor de uma obra?

 

Hugo Fortes

A questão da qualidade de uma obra de arte é uma das questões mais polêmicas da história da arte. Penso que uma obra de arte tem qualidade a medida em que ela cumpre os propósitos a que se propõe, despertando reflexões, aprofundando-se no desenvolvimento da linguagem artística e sensibilizando o espectador. No entanto o que tem qualidade para alguns pode não ter qualidade para outros. Tradicionalmente o museu, as instituições e a crítica de arte tem sido os responsáveis por fornecer “certificados de qualidade” a obras e artistas, porém não podem ser vistos como detentores de verdades absolutas. Com relação ao valor de uma obra artística, geralmente este é fixado mais em relação as possibilidades de comercialização da obra no mercado, não se relacionando necessariamente com sua qualidade. Muitas obras artísticas modernas e pós-modernas não possuem nenhum valor comercial e até mesmo questionam a idéia de comercialização da arte, o que não quer dizer que não tenham qualidade.

 

Equipe da ATMOSFERA – Viagens e Turismo

Hugo, tivemos o prazer de iniciar nossas atividades já com um lindo logotipo criado por você. Percebo que a criatividade com certeza acompanha sua trajetória e a nossa também, estamos sempre em busca da criatividade para gerar um diferencial em nosso mercado de trabalho.
Ao participar de eventos do setor do turismo, realizamos várias vezes trocas de nossos cartões comerciais que são sempre elogiados por quem os recebe… SUA CRIAÇÃO.. Mas vejo que são poucos os que saem do PADRÃO.
Qual sua opinião quanto a isso ? Será que poucos ousam a criar uma ATMOSFERA diferente, ou o bom gosto é duvidoso na maioria dos profissionais que fazem esta criação, assustando aos que tentam sair do padrão?
Parabéns.

 

Hugo Fortes

A atividade de design gráfico no Brasil ainda é relativamente recente e infelizmente algumas empresas ainda não reconhecem-na como uma importante ferramenta de comunicação da empresa. Talvez seja este um dos motivos que impeça algumas empresas inovarem. Por outro lado, ainda há muitos “curiosos” que pelo simples fato de possuírem um computador e/ou gostarem de desenhar, pensam que já podem considerar-se designers profissionais. Embora com implicações estéticas, a atividade de design deve ir muito além apenas do bom gosto, pois deve considerar a adequação e necessidades de comunicação da empresa. A partir do momento que todas as empresas reconhecerem a importância profissional do designer poderemos ter um desenvolvimento cada vez maior nesta área, possibilitando o aparecimento mais freqüente de soluções mais criativas e inovadoras.

 

bernie@sti.com.br

Olá, Hugo. Bem, gostaria de parabenizar sua exposição buracos conjuntamente com Christianne Alvarenga e minha pergunta é sobre esta: Buracos foi realmente uma busca e conquista de harmonização com o ambiente. Nós, o publico, não podíamos imaginar esta mostra em outro espaço tanto que foi a junção com o lugar. O quê você busca, em primeiro lugar, para trabalhar com um ambiente: a busca pelo espaço codificado com o seu trabalho ou o trabalho artístico desprovido do ambiente?

 

Hugo Fortes

A exposição da Capela do Morumbi foi totalmente criada e desenvolvida para o local. Muitas vezes em meu trabalho busco significados próprios do local em que será montado e a partir daí reelaboro-os em uma proposta de intervenção no espaço. Esta é uma prática bastante freqüente nas artes plásticas contemporâneas, que recebe o nome de “site specific” e que me interessa muito pela possiblidade de incluir o mundo real dentro do trabalho artístico. No entanto, nem sempre é possível ou desejável esta relação com o ambiente, o que faz com que eu também produza trabalhos dissociados do ambiente.

 

Marcia Viollante

Na arte contemporânea, incluindo as Artes Cênicas, cada vez mais se fala e se faz a integração de linguagens, a mistura do tradicional com o novo, a mistura de técnicas…enfim. Como você relaciona isto a concepção wagneriana do espetáculo total e a afirmação (de Paul Klee?) sobre o desaparecimento da arte? Será que podem se fazer tais relações.
Será que a arte poderia se tornar uma grande massa uniforme incluindo todas as diferenças? O quê acontece atualmente nesse mix poderia tornar a arte homogênea?
Sucesso e parabéns pelo seu trabalho!

 

Hugo Fortes

 

entrhugofortes3

Performance de Síssi Fonseca na exposição “Poço” de Hugo Fortes

Olá Márcia. Realmente a integração das linguagens é uma característica da pós-modernidade em que vivemos. Interessante sua comparação com o teatro de Wagner; acredito podermos encontrar algumas semelhanças e diferenças. No espetáculo total wagneriano todas as linguagens deveriam estar a serviço da expressão de uma idéia romântica que expressasse o íntimo do artista e sensibilizasse o espectador.
Ocorre que todas estas linguagens deveriam operar de forma integrada e harmônica dando origem a um espetáculo total (ópera) com máximo poder de comunicação. Todos os sentidos deveriam ser utilizados para fruir esta obra sinestésica. Embora hoje ocorra também a utilização de diversas linguagens em uma mesma obra, talvez isto não ocorra de maneira tão harmônica e organizada. Muitas vezes uma linguagem apresenta-se como ruído para outra e cada vez mais estão menos claros os limites de cada uma. O resultado não é exatamente uma outra forma artística determinada, como era a ópera, mas um produto híbrido difícil de ser nomeado. Talvez o envolvimento dos sentidos de maneira sinestésica seja realmente uma herança do projeto romântico porém com resultados bastante diferentes.
Quanto à idéia do desaparecimento da arte, esta tem sido discutida desde Hegel ao longo da história da arte, dando origem às mais diversas especulações. Desconheço uma afirmação específica de Paul Klee a esse respeito, porém a Bauhaus, escola a qual ele se ligou tinha como propósito integrar a arte à vida e a sociedade, e desta maneira, apesar de não desaparecer, a arte estaria aos poucos destituindo-se de sua aura que a separaria do mundo. Nas décadas de 60 e 70 a integração entre arte e vida torna-se cada vez maior e assim a integração entre as linguagens também aumenta.
Hoje vivemos o resultado de tudo isso e após tantas tentativas de construção e destruição de linguagens tudo torna-se mais fluido e interpenetrável. O interrelacionamento entre as áreas artísticas parece-me mais um reflexo da nossa vida atual fragmentada, virtual e multifacetada do que um projeto com objetivos claros. Acredito que desta mistura possam surgir novas formas artísticas, mas por outro lado, sempre haverá domínios específicos de cada linguagem. Deixemos a criatividade humana nos dizer. Quem viver, verá!