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Contato e mais informações

Apontamentos para o próximo ensaio
 (ou programa de proteção ao coração do regente coral)

por Vladimir Alexandro Pereira Silva

O ensaio é a etapa mais importante de todo o fazer coral porque nele formam-se conceitos e desenvolvem-se habilidades motoras que atuarão diretamente no ato interpretativo musical.

Considerando-se que uma série de fatores, relacionados às atitudes do regente e do cantor, determinam o grau de eficiência e produtividade do ensaio, faremos, a seguir, algumas considerações a fim de estimular a reflexão em torno da nossa prática coral, sobretudo no que diz respeito ao tema em questão.

Em primeiro lugar, é importante observar que a pontualidade é o pré-requisito básico para a eficácia e bom funcionamento do ensaio. As atividades devem começar na hora prevista e com qualquer número de participantes, independentemente dos prejuízos advindos em virtude da ausência dos outros cantores. O cantor, sempre que possível, precisa chegar com alguns minutos de antecedência ao local do ensaio para viabilizar o início das atividades na hora marcada, permitindo assim o aproveitamento integral do tempo. Neste sentido, cada corista precisa organizar-se e programar-se visando atender todas as suas atividades profissionais diárias e, conseqüentemente, o ensaio do coral.

Se, por acaso, algum cantor tiver um distúrbio gástrico intestinal na hora de sair de casa, a calça rasgar, o ônibus atrasar ou acontecer qualquer outra eventualidade que vai atrasá-lo, ao chegar no coral e perceber que o grupo já está trabalhando este cantor deverá cumprimentar os colegas discretamente, com uma pequena saudação – bom dia, boa tarde ou, o mais indicado, boa noite. O cantor em atraso deve evitar, ao máximo, o cumprimento individualizado, centralizado, demorado e exclusivo àquelas pessoas com as quais ele tem mais intimidade. Nessa ocasião, é mais indicado que a pessoa cumprimente a todos brevemente e, quem sabe, peça desculpas pelo seu atraso.

Ao entrar na sala de ensaio, cada membro do conjunto deve procurar imediatamente um lugar para sentar-se, sempre rapidamente e sem atrapalhar o andamento das atividades. Aliás, é recomendável que os colegas de naipe deixem uma cadeira reservada para os retardatários.

Quando o corista chegar ao ensaio e o coral estiver aquecendo a voz, fazendo técnica vocal ou cantando, é recomendável que ele aguarde o próximo exercício, pausa ou correção para começar a cantar. Enquanto isso não ocorre, ele deve relaxar, inspirar e começar a trabalhar lentamente, procurando entrar em sintonia com o conjunto.

É sempre bom lembrar que, nos ensaios e para facilitar o desenvolvimento das atividades, é imprescindível ter em mãos todo o material de trabalho. Partituras, papel em branco e pautado para música, textos, canetas, lápis e borrachas são recursos materiais que auxiliam e/ou podem ser utilizados para registrar as anotações pessoais e as observações do regente.

As considerações importantes, sob a perspectiva da realização musical, devem ser anotadas no corpo da partitura, enquanto que as outras, mais gerais, devem ser anotadas no verso do texto musical ou em local separado. Para tanto, vale ressaltar que a conservação e organização das partituras, em local adequado, é uma questão fundamental. É freqüente o regente encontrar partituras sujas, rasgadas, riscadas e com anotações as mais diversas possíveis, o que pode comprometer a compreensão do texto musical.

O cantor precisa escutar as informações, as observações e as explicações musicais e vocais do regente porque ele é uma autoridade musical e sabe o por quê e para quê de cada exercício ou atividade, pois todo ensaio é programado, estudado e organizado, tendo objetivos e métodos definidos. Aproveitar ao máximo cada momento do ensaio é a regra fundamental, porque nele ocorre um dos mais ricos e intensivos processos de educação musical.

Uma vez que falamos, de modo geral, dos aspectos ligados à organização do ensaio, passamos, agora, ao aspecto humano porque, como vivemos em grupo, precisamos, constantemente, aprender a respeitar e a aceitar os outros com os quais trabalhamos. Algumas questão são imperativas, especialmente aquelas relacionadas ao aspecto físico (higiene pessoal e vestuário, por exemplo) e ao psicológico (relacionamento humano).

Antes de ensaiar é bom que o cantor tome um banho, escove os dentes, troque de roupa, use algo limpo e adequado ao clima e às atividades que serão desenvolvidas no coral. Tal recomendação faz-se necessária à medida que o cuidado com a higiene pessoal estimula a criação de um ambiente de trabalho agradável, sobretudo sob a perspectiva olfativa e visual.

Mal humor, preocupações, frustrações e decepções devem ficar fora da sala. O cantor, na medida do possível, deve evitar que os seus problemas pessoais interfiram na produção do coro. De acordo com as circunstâncias, ele deve compartilhá-los com o grupo ou com o colega mais próximo, antes ou no final da reunião. Ao invés de levar o problema para o momento de trabalho, o cantor pode e deve aproveitar o ensaio para fazer uma pequena “terapia”, isto é, para relaxar e renovar sua mente, visto que, como diz o provérbio, “quem canta, seus males espanta.”

As limitações dos colegas precisam ser respeitadas porque cada um tem virtudes e defeitos essenciais à manutenção do grupo. Risos, olhares, cochichos e todo tipo de comentários podem constranger as pessoas que estão em derredor, sobretudo se tais comentários vêem carregados de más intenções. Aprender a ouvir é um grande começo e isso só é possível se cada um fizer o esforço de ficar calado durante o ensaio, ouvindo o regente e os demais colegas, demonstrando, ainda que minimamente, atenção e interesse às pessoas e às questões em curso.

É fundamental que cada cantor aguarde o momento oportuno para falar e, quando o fizer, lembre-se sempre do provérbio que diz: “você sabe o que sabe, mas não sabe o que os outros sabem.” Desta forma, é importante ouvir os outros e falar de forma controlada, permitindo a efetividade da comunicação, pois os monólogos, as conversas polarizadas e paralelas são desagradáveis e tumultuam o ambiente, sem falar que, quase sempre, não acrescentam nada ao trabalho coletivo.

Acima de tudo o cantor deve evitar manipular e/ou exercer influências sobre os outros colegas com suas opiniões, preferências e gostos pessoais. A esse respeito, ressaltamos que toda opinião é válida, desde que devidamente subsidiadas e/ou justificada por argumentos sólidos. As discussões desnecessárias e o “achismo”, tão comuns nos nossos coros, devem ser substituídos por opiniões coerentes e fundamentadas, que favoreçam a troca de experiências e o crescimento mútuo entre todos os membros do coral.

As dúvidas musicais e vocais devem ser solucionadas com o regente, afinal supõe-se que ele é um profundo conhecedor do seu métier e está tecnicamente preparado para exercer a função de condutor musical. Tirar dúvidas com o colega, às vezes, é mais complicado, principalmente quando este sabe menos do que você.

O cantor não pode esquecer também que a percepção auditiva do regente, na hora do ensaio, está dirigida para eventos sonoros específicos. Muitas vezes, enquanto ele está trabalhando uma frase ou um trecho de difícil execução com um naipe, outros naipes estão cantando trechos completamente diferentes ou mesmo conversando, atrapalhando toda a atividade. O cantor só deve cantar quando solicitado. Se um cantor gosta de cantar outras vozes, ele o deve fazer em silêncio. Aprender a utilizar o ouvido interno e “cantar em silêncio” é um recurso excelente para desenvolver e aguçar a percepção musical.

Outro ponto interessante a considerar é que muitas vezes os cantores executam o repertório do coro em qualquer lugar, de qualquer forma, sem o cuidado e o zelo necessários, jogando todo o trabalho desenvolvido, ao longo de duras sessões de ensaio, na lixeira. É preciso controlar este impulso porque quando o cantor age dessa forma ele corre o risco de adquirir vícios e cometer erros, musicais e vocais, de difícil correção, além de expor e comprometer o perfil técnico-musical do conjunto, visto que canta em condições quase sempre inadequadas. Por isso, preservar a identidade do grupo é tarefa fundamental de todos os cantores e isto implica atenção aos aspectos físicos (partituras, vestimentas e local do ensaio), psicológicos (relações humanas), artísticos (repertório) e morais (imagem do grupo na sociedade).

Ainda com relação a este aspecto, é importante que o cantor siga uma única linha de trabalho. Quando um cantor, principalmente o iniciante, participa de vários corais com diferentes orientações técnicas, musicais e vocais, ele vivencia, em geral, um conflito perigoso, visto que seus modelos e referenciais, teóricos e práticos, ainda são inconsistentes. Em muitos casos, este tipo de cantor – multimídia, por assim dizer – acaba prejudicando e atrapalhando o andamento dos coros, à medida que precisa adaptar-se às exigências de cada situação. Além desse fator, vale lembrar que quando os coros possuem cantores em comuns torna-se difícil conciliar o calendário de ensaios e apresentações, sem falar que o vai-e-vem de conversas é muito mais freqüente. Por esta razão, sempre que possível, é imprescindível optar pela participação exclusiva num único coro.

Quanto ao aspecto vocal, é sempre bom lembrar que a voz é muito delicada e sofre diretamente as conseqüências das alterações físicas e psicológicas. O cantor precisa cuidar, da melhor forma possível, do seu instrumento de trabalho, para que este possa funcionar da melhor forma possível. O cantor, no mundo contemporâneo, se quiser atingir o mínimo de qualidade vocal, deve aprender a evitar os inúmeros problemas que afetam diretamente a voz, dentre os quais destacamos: o estresse; a poluição sonora; e os hábitos de falar muito forte e numa altura inadequada (sobretudo na região aguda), de gritar desnecessariamente, de ingerir bebidas alcóolicas e de fumar.

À guisa de conclusão, é válido ressaltar que o prazer do concerto é muito bom e é por este motivo que todo coral trabalha. Todavia, vale a pena acrescentar que recitais, concertos ou apresentações são os produtos finais de todo o processo de ensino e aprendizagem desenvolvido, gradualmente, ao longo de uma temporada de ensaios. Na verdade, tais atividades artísticas são ferramentas de avaliação importantes para a consistência da execução musical e concebê-las como primordiais, isto é, como meta e objetivo exclusivos da prática coral, significa transferir o foco de atenção do processo para o produto.

Enfim, longe de querer encerrar as discussões sobre as várias dimensões do canto coral e/ou apresentar-se como verdade absoluta, mas acreditando que o objetivo principal do canto coral é executar e interpretar obras musicais de períodos e autores diferentes, reconstituindo-lhes as características estéticas e estilísticas, e que tal objetivo é conseguido através de um processo sistemático e criterioso de educação musical, esperamos que as observações relatadas estimulem a reflexão e a crítica em torno da prática coral ora desenvolvida nos nossos grupos.

Copyright Vladimir Alexandro Pereira Silva – Todos os direitos reservados

          Vladimir Alexandro Pereira Silva nasceu em Campina Grande, Paraíba. Desde 1986 é regente de coro e já criou e dirigiu vários grupos, a exemplo do Grupo Vocal Nós em Voz (Campina Grande/PB – 89/92), o Coral Universitário da Paraíba “Gazzi de Sá” (João Pessoa/PB – 89/90), o Madrigal Vox Popvli (Teresina/PB – 94/95), o Madrigal da UFBA (Salvador/PB – 97), o Coro em Canto da Universidade Federal da Paraíba (Campina Grande/PB – 97) e o Madrigal Vox Nostra (Campina Grande/PB – desde 1994).
É graduado em Licenciatura em Educação Artística (Música) pela UFPB Campus I. Estudou composição com José A. Kaplan e Eli-Eri Moura durante dois anos. Realizou cursos de regência, técnica vocal e canto promovidos no Brasil e no exterior, oportunidades nas quais estudou com professores como Nelson Mathias, Gisa Volkman, Lúcia Passos, Gerard Kelgman (Alemanha) e Homero Magalhães Filho (Brasil/França). É aluno de canto do professor Jasmin Martorell, com o qual realizou curso de aperfeiçoamento no Conservatório Nacional da Região de Toulouse (França) ao longo de 1998.
Além destas atividades, Vladimir Alexandro é professor convidado dos cursos de Pós-Garduação Lato Sensu da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB e da Universidade Regional do Cariri, Crato/CE; é Mestre em Música (Execução Musical – Regência Coral) pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia e é docente do Departamento de Educação Artística da Universidade Federal do Piauí, onde atua lecionando disciplinas no curso de música.